A Universidade como uma corrente básica de Civilização

"A universidade é um repositório da herança intelectual. A qualidade e a importância da pesquisa e da educação nela realizadas podem determinar o destino de uma nação, de uma sociedade, de toda a civilização. Onde prospera o saber as pessoas prosperam. As antigas civilizações demonstram a verdade dessas afirmações" (Daisaku Ikeda - Fundador da Universidade Soka do Japão)

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Ação coletiva de ex-fumantes contra fabricantes de cigarros é julgada improcedente

Em recente decisão em primeira instância, foi julgada improcedente uma ação que tramitava perante a 19ª Vara Cível de São Paulo (processo nº 583.00.1995.523167-5), onde a Associação de Defesa da Saúde do Fumante pediu uma indenização em nome de um grupo de ex-fumantes (ação coletiva) contra as fabricantes de cigarros Souza Cruz e Philip Morris. Ainda cabe recurso da decisão.
Não é a primeira vez que empresas fabricantes de cigarros saem vitoriosas em demandas dessa natureza no Brasil. De acordo com a Souza Cruz, de 629 ações propostas contra a companhia nos últimos 16 anos, 465 foram rejeitadas e apenas 10 tiveram decisões favoráveis, mas ainda estão sujeitas a recurso.

Fonte: Marina Diana (Leis e Negócios, portal Ig, 26/05/2011).

Confira o inteiro teor da sentença:

"VISTOS. I. ASSOCIAÇÃO DE DEFESA DA SAÚDE DO FUMANTE - ADESP, qualificada nos autos, propôs a presente AÇÃO CIVIL COLETIVA em face de SOUZA CRUZ S.A. e PHILIP MORRIS MARKETING S.A., qualificadas nos autos, alegando, em síntese, que as requeridas estariam prejudicando os consumidores ante a prática de propaganda enganosa e abusiva. Os anúncios de cigarro veiculados pelas rés passam a imagem de que todas pessoas bem sucedidas, saudáveis e bem relacionadas são fumantes, sendo que essas são informações incorretas. Ademais, as requeridas omitem informações essenciais do produto, relativas à dependência provocada pela nicotina e os riscos à saúde, o que pode induzir o consumidor em erro. Os réus também distribuem cigarros a menores e aumentam os níveis de nicotina no cigarro. Requereu a condenação das rés ao pagamento de indenização pelos danos morais e materiais causados a consumidores fumantes e ex-fumantes, associados da autora com domicílio no Estado de São Paulo (fls. 96), que se tornaram dependentes da nicotina, em virtude de propaganda enganosa e abusiva, além de obrigar as requeridas a informar, nas embalagens e publicidade de cigarros, que a nicotina provoca dependência. Atribuiu à causa o valor de R$ 1.000,00. A petição inicial veio acompanhada de documentos (fls. 52/94) e foi aditada (fls. 96/97 e 100). Regularmente citada, a ré SOUZA CRUZ S.A. contestou a ação (fls. 144/213), sustentando, em preliminar, ilegitimidade ativa e passiva, falta de interesse de agir e impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, alegou não aumentar os níveis de nicotina de seus cigarros ou incentivar o consumo por menores. Não existe ato ilícito, uma vez que a requerida jamais veiculou publicidade enganosa ou abusiva, bem como não existe dano material e moral a seus consumidores ou nexo de causalidade entre a conduta imputada pela requerente e os danos sustentados. Não há provas científicas do vício causado pelo cigarro, tanto que muitas pessoas param de fumar sem auxílio profissional, sendo, portanto, apenas um hábito. A decisão de fumar é consciente. O vício de publicidade, por omissão em advertir, somente se caracteriza quando se trate de risco anormal, não previsível, situado fora da expectativa legítima ou razoável do consumidor em relação ao produto, o que não é o caso. É fato notório a controvérsia sobre o fumo e o alegado efeito viciante da nicotina. Não existe omissão de dado essencial ao produto. A publicidade de cigarro e as advertências a serem feitas ao consumidor são estritamente reguladas pelo Governo Federal, desde 1988. Não houve publicidade abusiva. Ademais, a ré segue as disposições do Ministério da Saúde, fazendo as advertências legais nas embalagens e publicidade que veicula. Requereu a improcedência da ação. Juntou documentos (fls. 214/369). Regularmente citada, a ré PHILIP MORRIS MARKETING S.A. ofereceu contestação (fls. 374/418), arguindo, em preliminar, impossibilidade jurídica do pedido, ilegitimidade ativa e passiva e falta de interesse de agir. Não há interesse individual homogêneo a ser perseguido. No mérito, negou a possibilidade de vício pela nicotina e defendeu que fumar é hábito e não vício. A escolha entre fumar ou não, manter o hábito ou largá-lo é uma opção pessoal, de livre escolha. Fumar é uma atividade voluntária do fumante, que pode abandonar o cigarro quando quiser. A publicidade de cigarro e as advertências a serem feitas ao consumidor são reguladas pelo Governo Federal, desde 1988. Não houve publicidade abusiva. Requereu a improcedência da ação e a aplicação da pena por litigância má-fé. Juntou documentos (fls. 419/837). Réplica a fls. 884/907, em que a autora refutou os argumentos dos requeridos. Juntou documentos (fls. 908/958). As rés apontaram a superveniência da Lei n° 9.294/96, que tornaria prejudicado o pedido (fls. 974 e 1.053). O Ministério Público manifestou-se pela rejeição das preliminares e inversão do ônus da prova (fls. 1.444/1.453). As preliminares de ilegitimidade ativa e necessidade de pré-constituição da associação por mais de um ano foram afastadas pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça. Manteve-se a inversão do ônus da prova (fls. 1.746, 1.755/1.759 e 2.127/2.145). Infrutífera a tentativa de conciliação em audiência, foi saneado o processo (fls. 2.169/2.172 e 2.342/2.343), para afastar as preliminares e deferir a produção de prova pericial para análise das publicidades feitas pelas rés nos últimos 30 anos e sua influência sobre o consumidor, bem como prova pericial médica para verificação dos males causados pelo cigarro e a dependência física ou psíquica que as substâncias existentes no cigarro causam. Em agravo de instrumento, foi limitado o alcance da perícia sobre a publicidade até 20 anos antes da propositura da ação e deferida a produção de prova testemunhal (fls. 5.874/5.886). O IDEC – INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR requereu sua inclusão como litisconsorte ativo (fls. 5.641/5.647). A r. sentença de fls. 3.128/3.138 e 3.213/3.225, que afastou a prova pericial e julgou procedente a ação, foi anulada pelo v. acórdão de fls. 5.852/5.869. Com o retorno dos autos a primeira instância, foi determinada, a realização das provas periciais médica e de publicidade, além de deferida a participação do IDEC como assistente simples (fls. 6.026/6.028). A fls. 6.230/6.232, foi indeferido pedido de inclusão da ASSOCIAÇÃO DE CONTROLE DO TABAGISMO, PROMOÇÃO DA SAÚDE E DOS DIREITOS HUMANOS – ACT como litisconsorte ativa. A perícia médica efetivou-se a fls. 7.385/7499, 9.089/9.094, 9.108/9.115, 9.144/9.149 e 9.166, enquanto a perícia referente à publicidade foi produzida a fls. 9.190/9.340. As partes manifestaram sobre os laudos periciais, apresentando pareceres de seus assistentes técnicos. O Ministério Público manifestou-se pela improcedência da ação (fls. 10.678/10.688). Intimadas, as partes e o Ministério Público manifestarem a falta de interesse na realização de prova oral, reiterando suas anteriores manifestações. Não houve manifestação do IDEC, assistente do autor (fls. 10.745). É o relatório. II. Fundamento e DECIDO. 1. O processo comporta julgamento, uma vez que os elementos constantes nos autos são suficientes para a solução da demanda. Ressalte-se que foram realizadas as provas periciais determinadas na decisão saneadora e no v. acórdão que anulou a sentença anteriormente proferida, além das partes terem amplamente debatido o teor dos laudos apresentados, com respeito ao contraditório e à ampla defesa. Outrossim, autora e rés manifestaram expressamente que não tinham interesse na realização de prova oral (fls. 10.696, 10.715, 10.742 e 10744). Quanto ao IDEC, ante o seu silêncio, presume-se a renúncia à produção de prova oral, nos termos da decisão de fls. 10.692/10.695. 2. Por outro lado, as preliminares arguidas foram afastadas na decisão saneadora e amplamente discutidas nos diversos recursos apresentados no curso da demanda, tratando-se de matéria preclusa. Assim, passo ao julgamento do mérito da demanda. 3. Trata-se de ação civil coletiva, em que a associação autora pretende a condenação das rés, fabricantes de cigarros, a indenizar os fumantes e ex-fumantes, com domicílio no Estado de São Paulo, que se tornaram dependentes da nicotina, em virtude de propaganda enganosa e abusiva praticada pelas rés, além de obrigação de informar, nas embalagens e publicidade de cigarros, que a nicotina provoca dependência. Não se busca, através da presente demanda, ressarcimento de valores despendidos na compra do cigarro, mas à condenação, de forma genérica, de todos os danos patrimoniais e morais dos fumantes e ex-fumantes, além da condenação na obrigação de informar. Aduz a associação autora que as rés, fabricantes de cigarro, ao omitirem na embalagem do produto e em sua publicidade que a nicotina induz ao vício, bem como pelo modo como são divulgados os seus produtos, estariam veiculando propaganda enganosa e abusiva, ao induzir os consumidores a erro, o que motivaria a indenização dos consumidores, fumantes e ex-fumantes, por danos morais e materiais que lhes foram eventualmente causados. 4. No que se refere à obrigação de informar a advertência de que a nicotina provoca dependência, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 221.155-4/3, a Colenda Terceira Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu a ausência de interesse de agir, por fato superveniente ao ajuizamento da ação (fls. 2.561/2.576), nos seguintes termos: “O reclamo, porém, comporta parcial provimen-to em razão de fato superveniente ao ajuizamento da ação. Pois como é da doutrina de Pontes de Miranda, "a decisão sobre a falta de necessidade de tutela jurídica supõe que o demandante possa alcançar a finalidade sem pedido à justiça ou que a justiça nada possa fazer" (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo I, pág. 157, Forense, 1a ed., 1974). No caso, em razão do advento da Portaria 695/99, do Ministério da Saúde e da edição da Lei 10.167, bem como das resoluções editadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em especial a RDC 104, de 31 de maio de 2001, posteriores à propositura da ação, desapareceu o interesse de agir com relação à inserção, na publicidade dos produtos fabricados pela agravante e pela co-ré, de informações sobre os malefícios provocados pelo consumo de cigarros. É que tais disposições não só contêm as advertências que devem figurar, de forma ostensiva, na embalagem e propaganda (exemplificativamente: "fumar causa câncer de pulmão"; "fumar causa mau hálito, perda de dentes e câncer de boca"; "fumar causa infarto do coração"), como determinam sejam também inseridas as imagens a elas correspondentes, de sorte que a agravada, nesse passo, atingiu o fim colimado independentemente de pronunciamento judicial" 3. Ante o exposto, provejo o recurso, tão-só, para reconhecer ausente o interesse de agir da agravada, por fato superveniente, quanto ao pleito de inserção, na publicidade dos produtos fabricados pela agravante e pela co-ré, de informações sobre os malefícios provocados pelo consumo de cigarros, prosseguindo no mais o processo como de direito”. 5. Resta a matéria relativa ao pedido de indenização dos danos causados aos fumantes e ex-fumantes, com domicílio no Estado de São Paulo, que se tornaram dependentes da nicotina, em virtude de propaganda enganosa e abusiva praticada pelas requeridas. 6. No Recurso Especial nº 140.097-SP, a Colenda Quarta Turma do Eg. Superior Tribunal de Justiça manteve a inversão probatória determinada pelo Juiz de primeira instância que recebeu a petição inicial, de forma que assentado, nos presentes autos, que é ônus das requeridas a comprovação de que a nicotina não causa dependência e da não ocorrência de propaganda enganosa e abusiva. 7. Por outro lado, considerando que a ação foi proposta em agosto de 1995, na vigência do Código Civil de 1916, somente pode ser avaliada a conduta das rés nos 20 anos anteriores à propositura da ação, ante o prazo prescricional previsto no art. 177 do mencionado estatuto civil Nesse sentido, há agravo de instrumento limitando a perícia sobre a publicidade até 20 anos antes da propositura da ação. 8. Quanto à obrigação de informar sobre os riscos associados ao consumo de cigarros e veicular alertas nas embalagens e publicidade de cigarros, não havia no ordenamento jurídico brasileiro exigência legal até 1988, ano em que foi promulgada a atual Constituição Federal, que disciplinou no art. 220, §3º, II, e § 4º, que: “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. (...) § 3º - Compete à lei federal: II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. § 4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso”. Em consonância com a Constituição Federal de 1988, o Ministério da Saúde, através da Portaria nº 490, de 1988, determinou a advertência nos maços de cigarros da advertência “O Ministério da Saúde adverte: fumar é prejudicial à saúde”. No mesmo sentido, o Governo Federal, através do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVISA, passou a disciplinar, nos anos subsequentes, as informações e advertências que deveriam constar nas embalagens e publicidade de cigarros. A cláusula de advertência de dependência causada pela nicotina passou a ser veiculada em 1994, em cumprimento à Portaria nº 2.169 do Ministério de Saúde, deixou de ser exigida em 1995 em decorrência da Portaria Interministerial nº 477 e voltou a ser obrigatória em 1999, em virtude da Portaria nº 695 do Ministério da Saúde e, atualmente, da Resolução nº 335 da ANVISA. Por outro lado, após o ajuizamento da presente demanda, sobreveio a Lei nº 9.294, de 15.07.1996, que disciplinou as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4° do art. 220 da Constituição Federal, posteriormente alterada pela Lei nº 10.167, de 27.12. 2000, e Medida Provisória nº 2.190-34, de 2001. 9. Ante os princípios da legalidade e da anterioridade, antes de 1988, as requeridas não tinham obrigação de legal de alertar os consumidores dos riscos associados ao consumo de cigarro ou de que a nicotina causa dependência, mesmo porque, como ficou demonstrado pelas provas periciais médica e de publicidade, é fato notório, há décadas, de que o cigarro é prejudicial à saúde do fumante, ante o risco de causar diversas doenças, e que muitos fumantes têm dificuldade de largar o cigarro, independente de se perquirir se tal dificuldade se relacionar a hábito, vício ou dependência. A partir de 1988, ao que consta, as requeridas têm seguido as determinações governamentais, no que se refere a advertências e restrições de publicidade. 10. Quanto à alegação da autora de prática de propaganda enganosa e abusiva, em afronta ao Código de Defesa do Consumidor, ante os princípios da anterioridade e legalidade já referidos, somente pode ser considerada a conduta das requeridas a partir da vigência da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Ressalte-se que o Código de Defesa do Consumir tem regras gerais sobre publicidade, pelas quais o consumidor tem direito a informação adequada e clara sobre o produto, com especificação correta de sua composição, entre outros, e sobre os riscos que apresente (art. 6º, III), bem como proteção contra a publicidade enganosa e abusiva (art. 6º, IV). Os produtos colocados no mercado de consumo não podem acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito, nos termos dos arts. 8º e 9º. No caso do cigarro, embora seu consumo cause riscos à saúde, fato público e notório há muitos anos, não há proibição de sua produção e comercialização. Ao contrário, o comércio de cigarros é atividade lícita, permitida em nosso ordenamento, cuja propaganda é disciplinada no art. 220, § 4º, da Constituição Federal, não se aplicando ao caso, por exemplo, o art. 10 do Código de Defesa do Consumidor. Por outro lado, ainda que seja admissível, em tese, a responsabilização objetiva, segundo a regra do artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor, exige tal norma legal que os danos a serem ressarcidos decorram de defeitos de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos, ou que o produto não ofereça a segurança que dele legitimamente se espera. Não é o caso dos autos. É certo ainda que, pelo Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor deve informar o consumidor dos riscos que apresentam à saúde. No entanto, o vício de publicidade, por omissão em advertir, somente se caracteriza quando se trata de risco anormal, não previsível, situado fora da expectativa legítima ou razoável do consumidor em relação ao consumo. Ademais, tem-se considerado que o cigarro é um produto de periculosidade inerente e não um produto defeituoso, pois o defeito a que alude o Código de Defesa do Consumidor refere-se a falha que se desvia da normalidade, capaz de gerar uma frustração no consumidor ao não experimentar a segurança que ordinariamente se espera do produto ou serviço. Assim, não configurada a prática de propaganda abusiva ou enganosa. 11. Ao contrário, a notoriedade dos riscos decorrentes do consumo de cigarros, nas últimas décadas, restou confirmada pelas provas periciais realizadas no curso do processo. Além disso, pelo que se dessume da prova pericial produzida, embora o tabaco aumente o risco de incidência de várias doenças, a causa de eventual dano sofrido pelo fumante ou ex-fumante deve ser considerada caso a caso, sopesando-se com outros fatores de riscos de acordo com o histórico de cada pessoa (alimentação, consumo de álcool, carga genética, modo de vida sedentário ou estressante etc), que afasta a origem comum dos direitos individuais discutidos no âmbito da presente ação civil coletiva, ante a especificidade de cada indivíduo, que, ao fumar, pode ou não se tornar dependente de seu consumo; pode ou não ser influenciado pela publicidade divulgada pelos fabricantes de cigarro e pelas advertências dos riscos de seu consumo; pode ou não ficar doente em virtude do referido consumo. Outrossim, há vários fatores que podem influir na opção de uma pessoa de começar a fumar, havendo divergências doutrinárias sobre a efetiva influência de advertências quanto ao risco do consumo de cigarro, como a pretendida pela associação autora, sobre essa opção. 12. No que se refere à nicotina, a prova pericial médica concluiu que o risco de dependência e de aumento de incidência de várias doenças aos consumidores de tabaco é fato conhecido da literatura médica desde a década de 80, sendo que também é fato conhecido que a nicotina é substância que causa dependência em seus usuários, (fls. 7.454/7.455, 7.460/7461 e 7.478/7.481, entre outros). Como esclarecido pelo perito, em sua conclusão, após longa exposição sobre a matéria: “As abordagens iniciais sobre o tema, datadas da década de 1960, enquadravam o consumo de tabaco como hábito. Posteriormente, publicações científicas conduzidas até o início da década de 1980 disponibilizaram conjunto de informações que permitiram classificar o tabaco como substância causadora de dependência. Tais evidências são respaldadas pelo comportamento de grande parte dos consumidores de cigarros, com sinais de abstinência, tolerância, reforço e incapacidade de abandonar o consumo, ainda que diante de problemas de saúde impostos pelo tabagismo. Este perfil de comportamento já havia sido observado por outras substâncias psicoativas, como a cocaína e heroína. Dessa forma, desde o princípio da década de 1980, existiam evidências científicas de que o tabaco poderia induzir dependência, sendo, estes conceitos, agrupados em publicações de importância central na definição dos transtornos psíquicos” (fls. 7.454). “Posteriormente, estudos complementares demonstraram que a substância responsável pela dependência induzida era a nicotina e que os mecanismos moleculares desta modalidade de dependência eram semelhantes aos de outras drogas, com participação de diversas áreas cerebrais, com destaque para o sistema mesolímbico. Atualmente, resta clara, por diversas evidências científicas, que a nicotina pode induzir dependência, o que é verificado pelo comportamento de seus usuários, baseado em diversos critérios específicos. Se por um lado, o início do consumo de tabaco é motivado por vários fatores, podendo ser interpretado como livre arbítrio, o abandono de consumo pode não o ser, visto que existe grande percentagem de fumantes que, ainda que decididos a abandonar o tabagismo, não o conseguem, pela dependência química imposta (...) Diante do exposto, a dependência induzida pelo tabaco/nicotina é conhecida pela literatura médica a quase 3 décadas e as repercussões da dependência são extremamente relevantes para a saúde dos fumantes, notadamente pelo fato de causarem ou agravarem diversas doenças (...)” (fls. 7.455/7.456). “Quando de se fala em dependência, resta clara a capacidade da nicotina contida nos cigarros em causar tal repercussão. Porém não é possível afirmar que todo fumante desenvolverá dependência preliminarmente, mas sim que a exposição ao tabaco impõe risco de dependência. Mais além, naqueles indivíduos com sinais compatíveis com dependência, haverá heterogeneidade de resposta às tentativas de abandono do consumo, merecendo ressalva o alto índice de recorrência ou insucesso nas tentativas de interrupção definitiva. Da mesma maneira, ao avaliarmos um indivíduo ou um grupo de fumantes, não podemos projetar, de forma antecipada, quantos terão câncer de pulmão, doença coronariana, tromboangeite obliterante ou DPOC; o que permite concluir que estes indivíduos possuem risco aumentado para o desenvolvimento de tais doenças, sem a garantia de que em algum dia realmente venham desenvolvê-las” (fls. 7.460/7.461). (...) acreditava-se, inicialmente, que o tabaco produzisse efeitos relacionados ao hábito. Posteriormente, novos conceitos foram desenvolvidos, permitindo o enquadramento do tabaco/ nicotina como substância capaz de induzir dependência” (fls. 7.480). A perícia apurou que os indivíduos têm diferente sensibilidade à nicotina (fls. 7.481), em que parte dos fumantes é incapaz de abandonar o tabagismo por dependência (fls. 7.484), enquanto parte dos tabagistas não desenvolverá dependência (fls. 7.487). E, que o consumo de cigarro é mero fator de risco (probabilidade) de diversas doenças e não causa necessária (fls. 7.489/7.490). 13. De acordo com o laudo de publicidade, “a indústria de cigarros, e as empresas co-rés em específico, se utilizaram de propagandas voltadas para o estilo de vida de seu público na grande maioria de sua comunicação. Esse tipo de comunicação não visa informar sobre as características do produto, mas sim posicioná-lo de forma a atender a determinados nichos de mercado de acordo com suas características psicossociais” (fls. 9287). Ressalte-se que toda publicidade contém elementos de fantasia, que têm por objetivo persuadir o consumidor, além de ser inerente às campanhas publicitárias a utilização de todos os recursos técnicos de imagem e som disponíveis para atrair a atenção do consumidor ao produto por elas divulgado. A inexistência de alertas sobre os malefícios do consumo do cigarro, nas embalagens e peças publicitárias, quando não havia exigência legal de tal advertência, não comporta responsabilização das rés por eventuais danos sofridos pelos fumantes. E, após a promulgação da Constituição Federal e vigência do Código de Defesa do Consumidor, não se entremostra comprovada a prática de conduta que constitua propaganda enganosa ou abusiva, mesmo porque, ao que consta, as rés têm obedecido as determinações dos órgãos competentes quanto às advertências aos seus consumidores, em embalagens e publicidade. Além disso, como bem ressaltado na perícia, o impacto das advertências de que o cigarro é prejudicial à saúde, dos riscos de seu consumo e de que a nicotina vicia depende também da percepção do consumidor sobre os riscos à saúde. Assim, apesar de advertidas, as pessoas menos esclarecidas podem subestimar tais riscos, enquanto que evidências apontam adolescentes subestimam o quão viciantes os cigarros são (fls. 9.249/9.253). No entanto, tal percepção extrapola o âmbito da obrigação de informar das requeridas. Outrossim, embora tenha sido constatada a ênfase de publicidade de cigarros na conquista de consumidores mais jovens, ante a notoriedade dos efeitos nocivos do respectivo consumo e os motivos já expostos, não se pode considerar tal conduta como propaganda enganosa ou abusiva. Quanto a distribuição de cigarros a menores e aumento do teor de nicotina de cigarros, como forma de abusiva de comercialização de seus produtos, como alegado na petição inicial, não restaram evidenciados nos autos. 14. No sentido de que não há violação do dever jurídico de informação, a jurisprudência tem afastado a responsabilidade dos fabricantes de cigarro. Alguns julgados decidiram pela ausência de responsabilidade da fabricante de cigarros, ante o livre-arbítrio dos consumidores de aderirem ao vício de fumar: “INDENIZAÇÃO - Ação movida por doente de câncer em face de fabricante de cigarros - Inexistência de prova de consumo exclusivo de produtos da ré - Inexistência de prova de nexo entre a doença e o tabagismo, apesar do truísmo de que cigarro causa câncer - Adesão espontânea ao vício - Dever de indenizar não reconhecido - Ação improcedente - Recurso não provido” (Apelação Cível n. 110.454-4 - São Paulo - 4ª Câmara de Direito Privado - Relator: Narciso Orlandi - 22.02.01 - v.u.). “INDENIZAÇÃO - Morte por câncer no pulmão atribuída ao cigarro que o falecido fumou durante 52 anos (30 cigarros diários) - Sentença que a julga improcedente - Vício atrelado ao livre-arbítrio das pessoas que a ele aderem espontaneamente - Recurso provido em parte, apenas para corrigir erro material na fixação da verba honorária - Recurso parcialmente provido” (Apelação Cível n. 235.799-4/9-00 - Araçatuba - TJSP - 1ª Câmara de Direito Privado - Relator: Laerte Nordi - 09.09.03 - v.u.). “AÇÃO INDENIZATÓRIA – Interposição por doente de câncer na laringe contra fabricante de cigarros – Nexo causal entre a doença e o tabagismo não demonstrado, apesar do truísmo de que o cigarro provoca tumores malignos e inexistência de prova de consumo exclusivo dos produtos da fabricante – Tabagismo, ademais, que não foi imposto ao autor, que aderiu espontaneamente ao vício – Verba indevida” (RT 789/220 - Jurisprudência Civil - Jul-2001 – TJSP). Recentemente, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, REsp nº 1.113.804 - RS (2009/0043881-7), Relator Ministro Luis Felipe Salomão, j. 27.04.2010, decidiu: “RESPONSABILIDADE CIVIL. TABAGISMO. AÇÃO REPARATÓRIA AJUIZADA POR FAMILIARES DE FUMANTE FALECIDO. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE. PRODUTO DE PERICULOSIDADE INERENTE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A DEVER JURÍDICO RELATIVO À INFORMAÇÃO. NEXO CAUSAL INDEMONSTRADO. TEORIA DO DANO DIREITO E IMEDIATO (INTERRUPÇÃO DO NEXO CAUSAL). IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. (...) 3. O cigarro é um produto de periculosidade inerente e não um produto defeituoso, nos termos do que preceitua o Código de Defesa do Consumidor, pois o defeito a que alude o Diploma consubstancia-se em falha que se desvia da normalidade, capaz de gerar uma frustração no consumidor ao não experimentar a segurança que ordinariamente se espera do produto ou serviço. 4. Não é possível simplesmente aplicar princípios e valores hoje consagrados pelo ordenamento jurídico a fatos supostamente ilícitos imputados à indústria tabagista, ocorridos em décadas pretéritas - a partir da década de ciquenta -, alcançando notadamente períodos anteriores ao Código de Defesa do Consumidor e a legislações restritivas do tabagismo. 5. Antes da Constituição Federal de 1988 - raiz normativa das limitações impostas às propagandas do tabaco -, sobretudo antes da vasta legislação restritiva do consumo e publicidade de cigarros, aí incluindo-se notadamente o Código de Defesa do Consumidor e a Lei nº 9.294/96, não havia dever jurídico de informação que impusesse às indústrias do fumo uma conduta diversa daquela por elas praticada em décadas passadas. 6. Em realidade, afirmar que o homem não age segundo o seu livre-arbítrio em razão de suposta "contaminação propagandista" arquitetada pelas indústrias do fumo, é afirmar que nenhuma opção feita pelo homem é genuinamente livre, porquanto toda escolha da pessoa, desde a compra de um veículo a um eletrodoméstico, sofre os influxos do meio social e do marketing. É desarrazoado afirmar-se que nessas hipóteses a vontade não é livre. 7. A boa-fé não possui um conteúdo per se, a ela inerente, mas contextual, com significativa carga histórico-social. Com efeito, em mira os fatores legais, históricos e culturais vigentes nas décadas de cinquenta a oitenta, não há como se agitar o princípio da boa-fé de maneira fluida, sem conteúdo substancial e de forma contrária aos usos e aos costumes, os quais preexistiam de séculos, para se chegar à conclusão de que era exigível das indústrias do fumo um dever jurídico de informação aos fumantes. Não havia, de fato, nenhuma norma, quer advinda de lei, quer dos princípios gerais de direito, quer dos costumes, que lhes impusesse tal comportamento. 8. Além do mais, somente rende ensejo à responsabilidade civil o nexo causal demonstrado segundo os parâmetros jurídicos adotados pelo ordenamento. Nesse passo, vigora do direito civil brasileiro (art. 403 do CC/02 e art. 1.060 do CC/16), sob a vertente da necessariedade, a “teoria do dano direto e imediato”, também conhecida como “teoria do nexo causal direto e imediato” ou “teoria da interrupção do nexo causal”. 9. Reconhecendo-se a possibilidade de vários fatores contribuírem para o resultado, elege-se apenas aquele que se filia ao dano mediante uma relação de necessariedade, vale dizer, dentre os vários antecedentes causais, apenas aquele elevado à categoria de causa necessária do dano dará ensejo ao dever de indenizar. 10. A arte médica está limitada a afirmar a existência de fator de risco entre o fumo e o câncer, tal como outros fatores, como a alimentação, álcool, carga genética e o modo de vida. Assim, somente se fosse possível, no caso concreto, determinar quão relevante foi o cigarro para o infortúnio (morte), ou seja, qual a proporção causal existente entre o tabagismo e o falecimento, poder-se-ia cogitar de se estabelecer um nexo causal juridicamente satisfatório. 11. As estatísticas - muito embora de reconhecida robustez – não podem dar lastro à responsabilidade civil em casos concretos de mortes associadas ao tabagismo, sem que se investigue, episodicamente, o preenchimento dos requisitos legais. 12. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, provido”. Em conseqüência, não provada conduta ilícita ou prática de propaganda enganosa ou abusiva por parte das rés, não há que se falar em sua condenação em pagamento de indenização por eventuais danos sofridos pelos consumidores. III. Diante do exposto e do mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE a ação, nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil. Não cabível condenação da autora pelas verbas da sucumbência, nos termos da legislação vigente. P. R. I. C. Ciência ao Ministério Público. São Paulo, 16 de maio de 2011. FERNANDA GOMES CAMACHO Juíza de Direito"

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